terça-feira, 24 de abril de 2007

Minha menina está dormindo, como em outras tantas vezes. Porém, desta vez, escrevo sobre seu sono secreto, tornando mágico e público este acontecimento. Levo bem distante esta cena e nunca mais saberei aonde foi parar… Que olhos? Que pensamentos? O que estarão imaginando, neste instante sempiterno da leitura?
Ela sempre dorme antes de mim. Muitas vezes eu fico ali, atento, silencioso, apenas observando os movimentos sob um lençol azul: um mar, seu corpo formando ondas, eu traçando rotas para poder navegar sem perder a direção…
Depois, quando o sono me alcança, levanto velas e dou as costas para todos os portos. Com uma das mãos - gesto rápido de ansiedade - aceno um adeus apressado. Levo o barco até alto mar (soltar âncoras!) e mergulho em busca de tesouros escondidos, sem que me tenha sido possível, até então, encontrá-los.
Volto à superfície, e fico assim: no mesmo mar, o mesmo lençol, olhando o céu endurecido num branco-gelo apagado… Um breve agito das ondas (ajeito-me para mergulhar outra vez, agora mais profundamente, em sonhos) e logo a seguir: calmaria. Apenas o leve vento das respirações que se encontram (balançarão as velas de minha embarcação, na superfície?). Fecho os olhos. Um breve tempo para pescar os últimos pensamentos (as velas… o barco… balançando…) e o mundo, dando as costas para mim, tem apenas um ultimo instante para acenar, num gesto apressado, despedindo-se: boa noite.